Um Plano Cicloviário para Laranjal Paulista


Mapa da proposta (ver mais abaixo para acessar)
Há um bom tempo venho "brincando" com a ideia de implantar uma rede cicloviária no município de Laranjal Paulista, talvez desde os anos 90.

Trago aqui o meu rascunho de um Plano Cicloviário para Laranjal Paulista propondo traçados e diretrizes de implementação. O texto adota uma linguagem informal e procura ser não muito técnico.

Esta proposta está aberta para comentários e sugestões nas redes sociais.

Ponto de partida: previsão legal

O Plano Diretor e o Plano de Mobilidade de Laranjal Paulista abordam e dão diretrizes para implantação de um sistema cicloviário no município.

O Plano Diretor de Laranjal Paulista, no seu artigo 44, inciso IX, limita-se a dizer:

Prever ciclovias em áreas reservadas para o sistema viário nas zonas de expansão urbana e estudar adaptações em vias já existentes;

(O plano viário, que integra o Plano Diretor e a Lei de Zoneamento, por ser visto aqui.)

O Plano de Mobilidade engloba o "sistema cicloviário" e detalha mais sobre o tema prevendo os seguintes ordenamentos relevantes:
Art. 5º - São diretrizes da Política Municipal de Infraestrutura Urbana (...):
IV - Implantação de ciclovias e outras medidas para ampliar o tráfego de bicicletas na zona urbana, nas zonas de expansão urbana e estudar adaptações em vias já existentes;
...
Art. 6º - O sistema de transporte público de Laranjal Paulista deverá priorizar o transporte coletivo, devendo obedecer às seguintes premissas:
IV – Facilitar a acessibilidade através de rede de calçadas e de ciclovias seguras e confortáveis.

O Capítulo V - "Do Sistema Cicloviário" (artigos 12 ao 16) se dedica ao tema e estabelece o seguinte (extraído da lei):
  • O sistema cicloviário busca incentivar e valorizar o uso de bicicleta como meio de transporte, criando uma rede de vias de circulação para as mesmas;
  • O trajeto do sistema cicloviário abrange a área urbanizada do Município, permitindo a articulação direta entre os bairros e minimizando o conflito entre as demais modalidades de transporte;
  • O sistema cicloviário se divide em ciclovias e ciclofaixas;
  • Será prevista a possibilidade do uso compartilhado entre ciclovia e passeio em pontos específicos do sistema viário, devendo existir sinalização adequada, ficando as especificações a cargo do Departamento de Trânsito.
Contudo, esta lei não instrui nem institucionaliza meios para concretizar o sistema cicloviário: não há mapas ou planos, nem especifica procedimentos ou previsão para regulamentação, fica em diretrizes gerais e lista objetivos sem comprometer a Prefeitura e a iniciativa privada.

Além do Plano Diretor e do Plano de Mobilidade, Laranjal Paulista se tornou em Município de Interesse Turístico pela Lei Estadual nº 16.720/2018 (ver matéria).

Potenciais e necessidades

Os passeios ciclísticos vêm ganhando relevância no calendário de eventos da prefeitura. Igualmente é crescente a prática do ciclismo como meio de deslocamento local e de cicloturismo, que é o passeio vistando locais ao longo de rotas regionais e percursos informais e de peregrinação (exemplo: Caminho do Sol, que passa pelo Arraial de São Bento, ver mapa).

Também é de longa data os conflitos entre ciclistas, pedestres e carros chegando a ocasionar acidentes e atropelamentos. E o sistema viário de Laranjal já apresenta sinais de saturação por estar estagnado num traçado baseado em estradas abertas na época da fundação da cidade (1880 a 1910) e em remanescentes dos leitos antigos da ferrovia e da rodovia (1940 a 1990).

Há ainda a dificuldade de se organizar um sistema de transporte público eficiente e sustentável, devido à forma como a cidade se espalhou sobre uma topografia desfavorável, aos inúmeros espaços vazios e à falta da execução do planejamento urbano.

Portanto, uma cidade de interesse turístico com esses potenciais e necessidades precisa acomodar meios de mobilidade para além do carro e do ônibus, aproveitando as características locais – fora que um sistema cicloviário em si mesmo já é um atrativo! –, faz-se então necessária a adoção e a implementação de um Plano Cicloviário Municipal, que pode ser incluído na atual Lei de Mobilidade ou complementá-la como lei específica.

Deste ponto em diante, este texto se balizará na previsão legal e dos potenciais, e expandirá detalhando quanto a especificações do sistema, propondo soluções e traçado cicloviário num mapa interativo e alterações nas leis vigentes.

O que é o que

Antes de prosseguir, gostaria de apresentar "o que é o que" num sistema cicloviário e um pouco das possíveis aplicações.

Vias

  • Ciclovia: é uma pista para o tráfego de bicicletas separada fisicamente da via de trânsito motorizado, podendo ser exclusiva ou compartilhada com pedestres (ciclovia compartilhada com pedestres). Recomendado para vias de maior velocidade (acima de 50 km/h) onde o conflito carro x ciclista é maior.
  • Ciclofaixa: é uma faixa para o tráfego de bicicletas demarcada por sinalização na via de trânsito motorizado. Recomendado para vias de média velocidade (de 40 a 60 km) onde o conflito carro x ciclista é tolerável.
  • Via compartilhada: é uma via de trânsito motorizado onde veículos automotores e bicicletas podem trafegar juntos, requerendo apenas sinalização específica e velocidade reduzida (de 30 a 40 km/h). Exemplo.
  • Ciclorrota: é um trajeto que representa a rota recomendada para o ciclista ligando pontos importantes do território, podendo ser composta pela sequência de ciclovias, ciclofaixas e vias compartilhadas, devendo o seu trajeto ser sinalizado e identificado. Costuma ter um nome e um número de referência, semelhantemente às rodovias.
Mais detalhes: ver Ciclovia, ciclofaixa, ciclorrota e espaço compartilhado (site Vá de Bike).

Equipamentos

  • Paraciclo: equipamento simples e em local aberto para estacionar bicicletas, normalmente são pilaretes ou arcos ancorados no chão ou ganchos permitindo o uso de cadeados e correntes. Exemplo.
    • Recomendado em locais de menor permanência e pontos pitorescos.
  • Bicicletário: local fechado e normalmente coberto onde se pode estacionar bicicletas, podendo ser supervisionado e haver cobrança como num estacionamento comum. Exemplo.
    • Recomendado em locais de maior permanência e integração com outros transportes (p.ex: Terminal Rodoviário).

Espaços para o ciclista

Esta proposta sugere a implantação dos espaços adaptados para o ciclista:
  • Ponto de visita: local equipado para visitação onde haverá pelo menos um paraciclo, bancos e sinalização informativa, podendo haver um "balão de retorno" e preferencialmente iluminado.
    • Serão instalados em locais de visitação de interesse turístico, público e de lazer, por exemplo: letreiros de entrada, Monumento da Laranja, parques e praças etc.
  • Ponto de apoio: local equipado para uma permanência maior onde haverá os mesmos equipamentos do Ponto de Visita acrescidos, no que couber, de abrigo contra intempéries, bebedouro, mapa e bicicletário, e em local iluminado.
    • Serão instalados em locais de permanência e ao longo de ciclorrotas em áreas rurais, por exemplo: estádio, centro esportivos, na vila do distrito de Laras, na estrada turística para Laras, no núcleo de Abóboras, no Portal Turístico, Praça do Mirante etc.

Diretrizes para a implantação de ciclovias

Ciclovias prioritárias

De início e como prioridade, propõe-se a implantação de ciclovias em locais mais fáceis onde já existe disponibilidade de espaço e que também têm um potencial de tráfego de ciclístico maior ligando e servindo pontos importantes das áreas urbanas.

Recomenta-se implantar ciclovias:
  • Ao longo das margens da ferrovia.
  • Ao longo das margens das rodovias e acessos.
  • Ao longo das faixas de área de preservação permanente de rios e córregos.
E sempre visando a interligação dos trechos inicialmente isolados, integração com pontos atrativos (comércios, locais de lazer etc) e serem devidamente equipados e sinalizados.

Nota: sobre o uso das faixas de APP para fins de interesse público, ver Resolução CONAMA 369/2006, Artigo 8º.

Ciclovias acessórias

Como forma de "alimentar" e incentivar o uso das ciclovias, haverá ciclovias de acesso (de curta distância) interligando as ciclovias prioritárias (principais) a bairros, escolas, postos de saúde, locais públicos e outros pontos de interesse.

Ciclorrotas

Uma ciclorrota é um trajeto identificado que liga dois pontos no território, podendo ser composta de ciclovias, ciclofaixas e vias compartilhas (carro + bicicleta). Portanto:
  • Nos trechos da ciclorrota onde não existe uma via: seria construída uma ciclovia.
  • Nos trechos onde já existe um via: 
    • haveria sinalização indicando que a via é compartilha por uma ciclorrota; ou
    • uma ciclofaixa é implantada no próprio leito da via; ou
    • uma ciclovia é implantada paralelamente se houver espaço (p.ex. canteiros gramados).
Exemplo de sinalização de ciclorrota em via compartilhada na área urbana:

Ciclorrota em Porto Alegre (foto: Prefeitura local)

Exemplo de sinalização de ciclorrota em via compartilhada na área rural (estrada):

Ciclorrota Peabiru em Conchas (foto: desconhecido)

Destaco abaixo as principais ciclorrotas da proposta, as demais estão no Mapa do Plano Cicloviário.

Ciclorrotas urbanas:
  • Ciclorrota Vale do Laranjal: margeando a mata ciliar do Rio Laranjal, interligando o Centro Esportivo da Vila Zalla, BNH São Roque e Residencial Vale do Sol.
  • Ciclorrota Beira-Linha: margeando a Ferrovia Mairinque-Bauru, interligando o Estádio João Roma, a Estação da Cultura, e Pedreira Esmelda.
  • Ciclorrota Morrão - Estrela - Laranja: margeando o Córrego Estrela, interligando o Trevo da Laranja, Portal, Pedro Zanella, Fazenda Estrela e o Conj. Hab. Nello Parducci. Possui também caráter turístico.
  • Ciclorrota Maristela: margeando os acessos, contorno de Maristele e a ferrovia, interligando a Reta de Maristela, a antiga estação, o Estádio e a saída para Pereiras.
Ciclorrotas turísticas e históricas:
  • Ciclorrota da Velha Sorocabana: seguindo o antigo leito da ferrovia, interligando o Portal Turístico, o Centro de Laranjal, a Pedreira Esmeralda, a antiga estação de Maristela e Turma Velha, e se prolongando até a Estação Pereiras. 
  • Ciclorrota da Pedra Grande: seguindo a estrada para "Capela", interligando o Res. Vale do Sol, Morro Alto, Barro Preto e Laras, e se prolongando por Almeidas (Piracicaba), Manduca e até a Rota Caminho do Sol (Piracicaba/Saltinho). 
  • Ciclorrota das Abóboras: seguindo a Vicinal, interligando a Praça do Mirante, Abaulado e Abóboras.

Mapa do Plano Cicloviário

Segue o mapa interativo:


Ciclovias em novos loteamentos

A Lei do Parcelamento do Solo para Fim Urbano (Lei Complementar nº 114/2010) prevê que 20% da área do loteamento seja para implantação do sistema viário, mas não especifica nada quanto a ciclovias.

Propõe-se então a alteração da lei para prever a implantação de ciclovias como parte do sistema viário, nos seguintes termos:
  • Considerando que o custo do metro quadro de ciclovia é cerca de 20 a 25% do de uma rua comum, o loteador poderá implantar ciclovias no lugar de ruas na razão de 1 para 4, ou seja, para cada 1 m² de via comum poderá ser substituído por 4 m² de ciclovia.
  • Sugere-se um limite de 10% na troca de rua por ciclovia. O limite pode ser dispensado se comprovar que as vias são suficientes para dar acessos aos lotes e para mobilidade de serviços urbanos como ônibus e coleta de lixo.
  • As ciclovias serão implantadas seguindo o traçado definido do Plano Cicloviário, devendo constar na Diretriz do Uso do Solo emitida da prefeitura (ver Art. 6º da lei) ou numa cópia da planta gleba para a prefeitura traçar para que o loteador possa seguir. Serão toleradas pequenas divergências em relação ao traçado previsto no Plano Cicloviário se não houver perda de função da ciclorrota.
  • Cautela com as ciclovias nas áreas verdes para que não seja computado a mesma área como área do sistema de lazer e área do sistema viário. A lei poderá até prever um bônus de área nestes casos como incentivo.

Especial: Ciclorrota Velha Sorocabana e exemplos no mundo

Para uma etapa mais avançada, propõe-se a implantação de ciclovias e via compartilhas no Antigo Leito da Ferrovia Sorocabana, como resgate histórico com o aproveitamento do terreno já pronto e do traçado sinuoso de baixa declividade, que é dotado de cenário com vistas e cruzamentos com matas e cursos d'águas:
  1. Trecho da continuação da Avenida da Saudade: ligando o Portal Turístico e o Trevo da Laranja ao Estádio João Roma, passando por várias encostas com vista para o Entre Rios.
  2. Trecho entre Laranjal e Maristela: ligando a Praça Carlos Alberto Barbieri e o Estádio Municipal Accácio Luvisotto, passando pela Pedreira Esmeralda, cruzando rios e açudes até a Antiga Estação de Maristela.

Nos trechos onde hoje não existe uma via, uma faixa de 3 m que já poderia ser "reservada" como área não edificável pelo interesse histórico e turístico. Incluindo a Rua Suaidan Abud, a Praça Armando de S. Oliveira e a Avenida da Saudade como vias compartilhadas, teríamos uma ciclorrota ligando o Portal Turístico até a antiga Estação de Maristela.

Como referência, a Alemanha está convertendo centenas de quilômetros de antigos leitos ferroviários em ciclovias rápidas, Radschnellweg, para interconectar várias cidades (ver artigo em inglês).

Outros exemplos de conversão de antigos leitos ferroviários em ciclovias ("trilho-para-trilha"):
"Trilho-para-trilha" na Alemanha (foto: Aussendorf/Wikipédia)
"Trilho-para-trilha" nos Estados Unidos (foto: Kbh3rd/Wikipédia)

Divulgação

Também é importante que haja divulgação das ciclorrotas para o público (moradores e visitantes) em sites, mapas e aplicativos de celular especializados com o fim de informar existência da extensão da rede cicloviária s e popularizar o seu uso (exemplo: ciclorrotas da Fazenda Ipanema, Iperó, no site Waymarked Trails).

Ciclorrotas da Fazenda Ipanema no aplicativo OsmAnd

Links


Igor Eliezer
Arquiteto Urbanista
Participou da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista em 2005