O custo de urbanizar longe do centro


(Nota: Este texto foi escrito antes de ouvir a entrevista do prefeito à raio local em 04/04/18. Continução onde eu questiono os argumentos apresentados pelo Prefeito está a seguir)

Quero comentar sobre um problema recorrente de Laranjal Paulista e da maioria das cidades brasileiras.

Como planejador urbano eu pergunto: Para que implantar loteamentos e conjunto habitacionais longe do centro da cidade?

E como ficam os custos para levar ônibus, água, drenagem, iluminação, cuidar das ruas, praças e sinalização, coleta de lixo, varrição, poda de mato, fazer policiamento e fazer ambulância chegar a tempo, levar serviços e instalações públicas tão longe?

Fora a demanda por comércios e serviços privados. Você sabe, as pessoas não só precisam de morar, também precisam de ir às compras, se divertir, ir ao culto, se encontrar e ter vida social.

Foto aérea da cidade com os vazios urbanos e a área onde possivelmente haveria um conjunto habitacional [1]

Quanto mais se espalha a cidade [2], mais o custo de manutenção urbana vai às alturas, e a arrecadação de taxas não vai dar conta. A prefeitura precisa entender que há uma relação direta entre número de habitantes por quilômetro linear de infraestrutura urbana e custo de manutenção. Conta de boteco: se há 1000 habitantes em 1 km de infraestrutura urbana, você tem um custo X por habitante; mas se há 500 habitantes em 1 km de infraestrutura urbana, logo o custo é 2X por habitante. O valor do rateio dobra, e este rateio tem nomes não muito bonitos: IPTU, ITBI, ISS, taxa do lixo, taxa de limpeza, taxa de drenagem etc.

Comecemos com o caso do Bairro Pedro Zanella [3], um conjunto habitacional isolado da cidade de Laranjal Paulista, implantado à beira de uma estrada para desviar caminhões de cana da cidade. Pergunte para as empresas de ônibus se é interessante para elas atenderem locais afastados como aquele. Pois eu perguntei em 2004 [4], quando estávamos elaborando o Plano Diretor: eles me disseram que não. E a explicação deles é simples: "os ônibus têm que rodar muito e dar muitas voltas" e portanto "o número de passageiros por km rodado é baixo".

Como dizia o economista Milton Friedman "não existe almoço grátis", alguém vai ter que pagar a conta. Isso impacta no subsídio de gratuidade de transporte que vocês pagam via impostos, fora a passagem. E vejam que o valor da passagem de ônibus circular de Laranjal já é quase do mesmo valor das grandes cidades.

O mesmo ocorre com a coleta de lixo, varrição e manutenção da pavimentação. A prefeitura já não dá conta da quantidade de lixo jogado na zona rural, visto que há uma dezena dos ditos núcleos isolados e loteamentos de chácaras (uma boa parte irregular) na zona rural e ao redor da cidade. Quem mora na cidade paga imposto duas ou três vezes, por si e pelos outros via financiamento cruzado (os que usam pouco pagam a conta dos que usam muito).

Mesmo com só 23 mil habitantes [5], a cidade de Laranjal já tem mobilidade ruim, é esburacada, está ficando com cara de cidade-dormitório de região metropolitana, e não com cara de cidade turística do interior paulista como quer ser. Fazer mais gente se deslocar cada vez mais e mais longe só ajuda a piorar a situação. Fora o problema do aumento de custo imobiliário na cidade e da dificuldade da prefeitura fazer qualquer desapropriação necessária. (A propósito, acho estranho haver tanta gente esperando o poder público construir casas. O mercado imobiliário não dá conta não?)

Mesmo que sejam muito bem intencionados e esforçados, as prefeituras parecem não assumir o seu papel de planejador e gestor do solo urbano DADO pela Constituição Federal de 1988, renunciam as ferramentas da Lei Federal do Estatuto da Cidade [6], e tão pouco praticam os seus (muitas vezes tímidos) Planos Diretores [7]. Deixar tudo na letra morta da lei tem impacto direto no custo dos imóveis e no valor dos impostos.

Quanto aos conjuntos habitacionais, eles são implantados longe da cidade por duas razões:
  1. Custo do terreno: terrenos distantes são mais baratos. Economiza-se algumas dezenas de mil reais na aquisição do terreno hoje, mas gera um custo muito maior a ser carregado pelas próximas décadas.
  2. Aversão aos BNHs: por mais chato que seja dizer, há ainda um estigma de que conjunto habitacional é coisa de pobre, e se os quer longe. À época da elaboração do Plano Diretor, dizia-se que "Laranjal estava sendo trancada por CDHUs nas 4 entradas da cidade" e que isso "atrapalha o desenvolvimento da cidade". Honestamente, eu não sei o porquê. Eu mesmo moraria no Pedro Zanella, BNH São Roque, Nello Parducci, Joia do Tronco ou João Roma [8] sem problemas. Ironicamente, a cidade está aos poucos sendo cercada por assentamentos irregulares não tão "de pobre" assim.
Até aqui estamos só raspando a superfície do problema de planejamento urbano das cidades.

Igor Eliezer
Arquiteto Urbanista
Participante da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista em 2005


----

Notas

[1] - Segundo o prefeito numa entrevista a Rádio Dynâmica FM, 04/04/2018, o local seria num terreno do Morro Alto, um povoado rural. O terreno era para ser um distrito industrial.

[2] - Urbanistas usam o termo técnico "espraiamento urbano", e é considerado o pecado capital do urbanismo. Detalhes: http://arquiteturaurbanismotodos.org.br/espraiamento/

[3] - O Bairro Pedro Zanella, muito simpático diga-se de passagem, é esse aqui: https://www.google.com.br/maps/@-23.0680773,-47.8311227,812m/data=!3m1!1e3

[4] - Fui às empresas de ônibus de Laranjal para elaborar estes mapas: Transportes e Sistema Viário

[5] - O município de Laranjal Paulista possui cerca de 28.000 habitantes. A população da cidade seria a da zona urbana do distrito sede.

[6] - Estatuto da Cidade: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm

[7] - Plano Diretor de Laranjal Paulista bem como demais leis: Projeto:Planejamento Urbano no Atlas de LP e Para que serve um Plano Diretor

[8] - Links para os demais bairros citados:

----

(Continuação do texto acima também postado no Facebook)

Tamanho de cidade não é documento


Ao Prefeito Dr. Alcides De Moura Campos Jr. em entrevista a Radio Dynâmica FM em 04/04/2018, Laranjal Paulista/SP.
“A cidade tem que crescer”.
Com todo respeito, Sr. Prefeito, não, a cidade não tem que crescer. A cidade tem que ter educação, saúde, lazer, vias públicas, segurança, fazer gestão do uso do solo, cuidar do meio-ambiente, dar suporte para a economia e qualidade de vida aos cidadãos.

Para isso a cidade tem que ser sustentável, com a Prefeitura equilibrando demandas com a arrecadação de impostos. Quanto mais dispersa for uma cidade, maiores serão os custos para se levar infraestrutura e serviços até as áreas distantes. Uma conta simples: se temos 1000 habitantes em 1 km de infraestrutura, nós temos um custo X por habitante; mas se espalharmos estes 1000 habitantes em 2 km de infraestrutura, nós temos um custo 2X por habitante. Isso significa que os impostos terão que subir.

A meta é desenvolvimento, e não crescimento. Crescimento só é bom se for resultante do desenvolvimento. Quando falamos que cidade tem que ser grande para ser melhor nós caímos no senso comum, no mais do mesmo. A cidade não tem que ser obesa; tem que criar músculos!

Ninguém vai vir morar ou instalar uma empresa em Laranjal porque há bairros distantes. Virão aqui porque o Poder Público garante eficientemente serviços, logística, infraestrutura, ordenamento territorial e atrativos de qualidade à população e ao mercado.
“Sorocaba se desenvolveu espalhando os órgãos públicos e os bairros longe do centro”
Sorocaba se desenvolveu porque começou a se industrializar em 1860, teve a E.F. Sorocabana em 1875, e por ter uma malha viária robusta com acesso fácil às principais rodovias, não porque a cidade foi “espalhada” por deliberação da prefeitura (talvez até o foi por omissão dela). Ao que me consta como urbanista, o "espraiamento urbano" é muito mais sintoma de descontrole do uso do solo e ocupação irregular que de desenvolvimento.

Falemos agora do Bairro Pedro Zanella, visto que o mesmo foi citado na entrevista como exemplo de que "espalhar a cidade" dá certo:

  • Há 30 anos foi construído a "Estrada da Cana" para desviar caminhões da cidade pela zona rural.
  • No ano 2000, o bairro foi implantado afastado da cidade com aquela estrada passando pelo meio, ao lado de um parque.
  • Em 2008, um NOVO desvio de 1,2 km foi aberto contornando o bairro, e foi implantada uma barreira de árvores para segurar o pó.
  • Em 2010, o desvio foi melhorado e alargado.
  • Em 2016, o desvio foi refeito com novo traçado mais próximo do bairro, requerendo um muro de arrimo de 2,5 m de altura por 150 m de comprimento. A barreira de árvores foi removida.
  • Visto que os caminhões jogavam pó de terra nas residências próximas ao desvio, a Prefeitura teve que asfaltá-lo todo.
  • A pista agora está com buracos. Enquanto isso, prefeitura não dá conta dos buracos da cidade e de manter as estradas e pontes na zona rural.
  • Custo total estimado: R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), e ainda não está bom. Isso é sinal de economia e bons resultados?
A exemplo dos BNHs Joia do Tronco, João Roma, São Roque e Nello Parducci, se o Pedro Zanella tivesse sido construído junto da cidade não haveria estes custos nem a necessidade de um NOVO desvio de 1 km a cada administração. Valeu a pena o custo só para dizer que a cidade está 700 m maior em direção à Jumirim? Quais foram os ganhos?

Se novo conjunto habitacional for construído no Morro Alto, serão 150 casas longe da cidade demandando vários serviços, a saber:
  • Mais 110 automóveis circulando por 4 km de vias, ida e volta, sem necessidade; (manutenção: R$ 100/m² de asfalto);
  • Mais 4 km de percurso de ônibus circular sem embarcar passageiros, fora o transporte escolar (não é economicamente interessante para as empresas de ônibus: menor número de passageiro por km = passagem mais cara e mais gastos públicos com gratuidade);
  • Mais 2 km de rede de água, com travessia sobre rio, bombeamento (são 107 m de desnível, tão alto quanto a Garagem Municipal), reservatório, válvulas (custo: R$150 a R$ 300/m, fora manutenção);
  • Mais 4 km de deslocamentos dos veículos e pessoal para fazer manutenção de sinalização, poda, varrição, entulho, fiscalização (como garantir que ninguém vai despejar lixo lá? Me consta que a Prefeitura está com pouco pessoal);
  • São mais 4 km de deslocamentos desnecessários do caminhão de coleta para transportar 700 kg de lixo por dia (gastos com diesel e manutenção de via);
  • E como vai se escoar as águas pluviais daquele lugar? Para os córregos vizinhos e no pesqueiro, ou descerá a estrada toda?
(NB: os valores são estimados)

Veja que estou dando argumentos de eficiência econômica ao invés de sociais: vamos mesmo levar 600 almas longe para usá-las como instrumento para expandir a cidade para uma área rural com problemas de parcelamento irregular?

Fora que a Lei Complementar Municipal nº 171/2016, do Zoneamento Urbano, define a área como Zona Mista, que é destinada para comércios e indústrias de médio porte (como hoje já se constata), e novos usos residenciais não são permitidos (art. 27, §4, I, a). O conjunto habitacional já começa irregular a partir da origem (link do mapa do zoneamento). A área tem vocação para pequenas firmas e chácaras, recomendo preservar isso.

O que se pode fazer é a prefeitura englobar os lotes do Distrito Industrial “Oswaldo Liberato Pieroni” em uma única gleba e fazer uma permuta com um terreno mais próximo em São Roque, entre Colinas e Pedro Zanella ou qualquer local junto à cidade – não precisa ser no Centro –, livrando assim o Município de boa parte daqueles custos a futuro.

E a longo prazo, use o poder de gestor de uso do solo urbano dado pela Constituição Federal (art. 30, VIII). A Lei Federal do Estatuto da Cidade dá às prefeituras o poder de definir no Plano Diretor quais áreas podem ser consideradas subutilizadas dentro do perímetro urbano e portando passíveis de acordos, consórcios, operações urbanas, preferências de compras, desapropriações e destinação para habitação de interesse social (HIS). Assim a Prefeitura cria uma reserva de terrenos para expansão habitacional e para implantação de vias e parques urbanos. O Plano Diretor atual é tímido e não propõe nada além do básico, e mesmo assim a Prefeitura pouco o pratica.
"O que não pode acontecer é crescer tudo amontoado"
Se quer dizer que uma cidade compacta é ruim, então discordo veementemente. Isso é crescimento desordenado deliberado pelo Poder Público. Os municípios que possuem planejamento urbano optam por adensar as áreas com infraestruturas e serviços urbanos justamente para evitar o uso ineficiente do espaço, longos deslocamentos e maiores custos de manutenção -- isso é o que a boa prática do urbanismo manda (coloquei abaixo alguns links para artigos técnicos sobre isso). Fazer as pessoas morarem longe não significa que elas deixarão de ter necessidade de ir ao Centro.

As cidades de Cerquilho e Laranjal Paulista possuem quase o mesmo tamanho, mas a de Cerquilho tem quase o dobro de habitantes.

A Prefeitura pode dispersar 28.000 habitantes na tentativa de imitar um município de 600.000 habitantes? Pode. Garante que vai custear os serviços e prover toda a infraestrutura para tal dispersão? Pelo que vejo nos últimos 20 anos, ela não está dando conta com o que já tem, e os efeitos só estão começando a aparecer: lixo na zona rural, pavimentação decaindo, má mobilidade na cidade, demanda por gratuidades no transporte, dispersão de escolas e creches etc. E cidade só tem 24.000 habitantes e uma quantidade enorme de glebas e lotes vagos.

Fazer “crescer” mais parece embasado num mito do que em evidência. Numa analogia, vejo que pessoas ricas têm casas grandes, portanto devo eu ter uma casa maior esperando que isso aumente a minha renda?

Respeitosamente,

Igor Eliezer
Arquiteto Urbanista
Participante da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista em 2005