Vamos falar de IPTU?

Sei que está um frio e ainda é mês de junho e poderia deixar isso para janeiro do ano que vem, mas gostaria de tocar neste assunto chato que afeta todo mundo. Ou quase todo mundo.

Primeiramente, deixe-me explicar rapidamente o papel dos municípios, das cidades e dos tipos de tributações, para então falar do IPTU.

Segundo a Constituição Federal (artigo 30), cabe aos municípios:
  • legislar sobre assuntos de interesse local;
  • instituir e arrecadar os tributos de sua competência;
  • organizar distritos;
  • prestar serviços públicos de interesse local, incluindo transporte coletivo;
  • manter, com a União e o Estado, educação infantil e fundamental, e saúde;
  • promover o planejamento e controle do uso e da ocupação do solo urbano;
  • promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local.
E todo o município possui uma aglomeração urbana ao qual chamamos de “cidade”.

As cidades nascem da necessidade das pessoas estarem próximas para se relacionarem com frequência, e por isso passam a precisar de um suporte compartilhado para as suas atividades cotidianas: trabalho, mercado, deslocamento, saneamento, segurança, burocracias, manifestações culturais, religiosas e políticas etc.

Planta da cidade de Laranjal, nos seus primórdios em 1922 (fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo)

E como não há almoço grátis, tudo isso tem um custo – nisto não há discussão, o que se discute é como se paga a conta –, é aqui que entram os tributos. Há três tipos de tributos que o poder público municipal pode instituir:
  • Taxa: cobrado por serviço prestado, seja ele eventual, como emissão de documentos, ou contínuo, como limpeza pública, coleta de lixo etc.
  • Contribuição: financia uma melhoria que beneficiará o próprio contribuinte. Por exemplo, contribuição de melhoria de asfalto, o que gera uma valorização do imóvel do contribuinte.
  • Imposto: serve para financiar o orçamento custeio de serviços de forma geral e investimentos definidos pela Lei Orçamentária Anual. É cobrado sobre patrimônio, renda e consumo.
O IPTU é um tributo municipal que é cobrado somente sobre a propriedade urbana; não pode ser cobrado de todas as propriedades. Certo, mas... não poderia a prefeitura dizer que o município inteiro é zona urbana e cobrar o IPTU de todos os imóveis? Não.

O Código Tributário Nacional (Lei Federal nº 5.172, arts. do 32 ao 34) estabelece critérios para a cobrança do IPTU:
  • O imóvel precisa estar dentro da zona urbana.
  • E ter dois dos seguintes melhoramentos:
    • Meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
    • Abastecimento de água;
    • Sistema de esgotos sanitários;
    • Rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
    • Escola primária ou posto de saúde a uma distância de até 3 km.
Mas há uma exceção: o imóvel que comprovadamente possuir atividade agrícola ou extrativa, mesmo que nos critérios acima, não poderá ser cobrado IPTU (Decreto-Lei nº 57/66, art. 15).

Resumindo: residências, comércios, indústrias, chácaras de recreio e terrenos vazios, conforme o Código Tributário Nacional, são passíveis de pagar IPTU; enquanto fazendas e áreas extrativas, mesmo que dentro da zona urbana, pagam o Importo Territorial Rural (ITR).

Agora sobre Laranjal Paulista

Conforme a Lei de Zoneamento (Lei Complementar nº 171/16), a zona urbana é delimitada dentro do perímetro urbano. Laranjal possui 2 zonas urbanas:
  1. De Laranjal Paulista e Maristela, com uma extensão longo das estradas João Bordignon e João Pires de Campos até a planta da indústria QGP perto do Morro Vermelho.
  2. De Laras.
Foto aérea de Laranjal Paulista com perímetro urbano e mancha urbana (foto: IGC-SP) - Baixar mapa

A Lei de Zoneamento (no anexo 6) ainda define 26 áreas urbanas isoladas espalhadas pela zona rural, mas ainda aguardam regulamentação. Abóboras, Boa Vista, Morro Alto e Morro Vermelho podem ser considerados núcleos rurais, e, mesmo que já tenham alguns melhoramentos urbanos, não estão em zonas urbanas.

O perímetro urbano atual é 4 vezes maior que a área efetivamente urbanizada, englobando grandes extensões de pastagens e áreas de plantio que, como dito na Lei Federal nº 5.172/72, não são objetos do IPTU.

Distribuindo a conta: como o IPTU é gerado

Primeiramente, a prefeitura faz o levantamento dos imóveis dentro da zona urbana que se enquadram nos critérios de tributação, bem como as características desdes imóveis quanto a dimensões, localização, uso e padrão de construção.

O IPTU é baseado no valor venal do imóvel, que seria valor de mercado do imóvel – que na prática é bem menor do que o de mercado. O valor venal é calculado considerando:
  • área do lote e área da construção;
  • localização do imóvel na Planta Genérica de Valores;
  • e outros fatores como padrão de construção e conservação.
A área do lote e a área da construção são dadas pelo cadastro da prefeitura ou por levantamento, inclusive por foto área.

Mapa Planta Genérica apresentada na Câmara
A Planta Genérica de Valores (Lei Complementar nº 185/16) é a planta da zona urbana contendo os lotes e suas classificações e tabelas estabelecendo os valores por metro quadrado dos lotes e construções.

O valor por metro quadrado dos lotes é definido conforme a sua localização na planta. Há 16 classes de valores, variando de R$ 4,20 a R$ 225,30/m² (atualizado pelo Decreto nº 3.604/17).

Já o valor por metro quadrado das construções é definido pela classificação de padrão: luxo, boa, média, simples e precária, com valores variando de R$ 43,40 a R$ 557,65/m² (atualizado pelo Decreto nº 3.604/17). Há ainda fatores de correção que dão um desconto de até 20% dependendo do estado de conservação: boa, média e má.

A prefeitura pode ainda cobrar um valor adicional sobre propriedades abandonadas e subutilizadas conforme determina o Plano Diretor (Lei Municipal nº 2.543/06, por força do art. 7º do Estatuto da Cidade) para combater propriedades ociosas e evitar o inchaço da área urbana como forma de reduzir o custo de manutenção da cidade.

Finalmente, a soma do valor do terreno e o valor da construção dá o valor venal do imóvel. E então é aplicado uma porcentagem que seria a alíquota do IPTU: 0,6% para terreno com residência, 0,8% para terreno com edificação não residencial, e 1,2% para terreno não edificado.

Recomendo ver o Código Tributário do Município (Lei Complementar nº 199/17, art. 173 em diante) que apresenta detalhes do cálculo.

Justiça tributária

Lembra da frase "nisto não há discussão, o que se discute é como se paga a conta"? Então, por de trás de todo esse cálculo existe uma coisa que chamamos de justiça tributária.

A ideia é, uma vez que há um custo a ser coberto, nós distribuímos a conta conforme a capacidade contributiva de cada um: aquele que pode mais paga mais, e o que pode menos paga menos. Então parte-se do pressuposto que imóveis mais valorizados devem contribuir com valor maior.

Também pode ser levado em conta o fator de utilidade, isto é, de função social da propriedade.

Os imóveis que possuem função – ou seja, que há alguém morando ou que estejam contribuindo para a economia, a comunidade ou meio-ambiente – devem pagar menos imposto, enquanto os imóveis que estejam subutilizados, ociosos por muito tempo e mesmo abandonados devem pagar mais. E isso deve ser definido pela Lei do Plano Diretor; não pode ser de forma arbitrária pelo administrator municipal.

Para onde vai o IPTU

Por ordem da Constituição Federal, os municípios têm que destinar do total arrecadado dos impostos – que inclui o IPTU – no mínimo 15% para saúde e 25% para educação. O restante é de livre aplicação conforme o Orçamento Anual para cobrir as despesas do município: manutenção da infraestrutura, investimentos em obras e programas, educação e saúde, salários de funcionários etc.

Alguns números

Para finalizar, dados de Laranjal Paulista em 2017:
  • Arrecadação de ITR: R$ 249.877,35
  • Arrecadação de IPTU: R$ 3.929.426,71
  • Arrecadação total da Prefeitura: R$ 79.034.316,15, destas:
    • Cerca de 32% são receitas próprias
    • Cerca de 68% são transferências do governo federal e estadual
PIB de Laranjal Paulista em 2015 (o mais recente): R$ 776,3 milhões.


Igor Eliezer
Arquiteto Urbanista
Participou da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista em 2005

Notas, fontes e links adicionais

  1. Artigo "Mapa do Zoneamento e Plano de Avenidas de Laranjal Paulista" neste blog
  2. Artigo "O custo de urbanizar longe do Centro" e "Tamanho não é documento (comentário para o prefeito)": neste blog
  3. O perímetro urbano de Laranjal e Maristela é definido pela Lei nº 2962/12; o de Laras é a Lei nº 3100/15; e a extensão até o Morro Vermelho (destinada exclusivamente para comércios e indústrias de médio porte) é pela Lei Complementar nº 171/16, art. 6º, §5º.
  4. Dados sobre arrecadação: Site da Transparência da prefeitura (exercício 2017)
  5. PIB de Laranjal Paulista: IBGE
  6. Perguntas sobre IPTU - Prefeitura de São Carlos: http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/fazenda-financas/154187-iptu-perguntas-e-respostas-empresas.html
  7. IPTU versus ITR: https://lucascalaca71.jusbrasil.com.br/artigos/189863898/iptu-imposto-sobre-a-propriedade-territorial-urbana-e-itr-imposto-sobre-propriedade-territorial-rural
  8. Segundo STJ, incide ITR em imóvel rural mesmo quando localizado em área urbana: http://www.irib.org.br/noticias/detalhes/segundo-stj-incide-itr-em-imovel-rural-mesmo-quando-localizado-em-area-urbana
  9. Arrecadação de ITR por município: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/arrecadacao/arrecadacao-do-itr-por-municipio