Conjunto Habitacional no Morro Alto: problemas e alternativas


Atualizações:

----

A Prefeitura Municipal de Laranjal Paulista está dando andamento no seu projeto de implantar um conjunto habitacional no bairro Morro Alto num terreno que era para ser um distrito industrial que não vingou, e já enviou à Câmara Municipal o Projeto de Lei Complementar nº 08/2019 para alterar o uso do terreno de industrial para residencial urbano. Veja na página do projeto de lei na Câmara. (novo: foi arquivado, mas retornou como novo projeto)

Já escrevi dois textos dizendo o porquê disso ter problemas. Recomendo a leitura: O custo de urbanizar longe do Centro.

Sendo direto, digo o seguinte sobre o empreendimento:
  • É contra as legislações urbanísticas;
  • É contra as boas práticas de planejamento urbano e orçamentário;
  • E principalmente, há alternativas melhores.
Habitação acessível é necessária e bem-vinda, mas sou objetivamente contra a sua localização. Quando tive a oportunidade, falei pessoalmente com o senhor prefeito que a localização é problemática: "sei que o terreno é mais barato, mas só custo de levar as infraestruturas e serviços até lá vai consumir toda a economia feita no terreno em 2 anos ou até mesmo no dia da inauguração (...)". Infelizmente a conversa sobre o assunto foi muito curta.

Como a prefeitura está dando andamento no projeto, decidi escrever este texto, o qual está dividido em três partes:
  1. O terreno: como ele é e um rápido histórico;
  2. Porque vai ter problemas por questões legais e urbanísticas: apresento em que o empreendimento tropeça quanto às leis vigentes e quanto às práticas de planejamento urbano que afetam a vida das pessoas e o orçamento público;
  3. Proposta de alternativas: apresenta alternativas e soluções, e propõe a Reurbanização da Vila Zalla.
O texto parte dos seguintes pressupostos:
  • O empreendimento será um conjunto residencial de habitação de interesse social urbano, similar ao Pedro Zanella, com lotes de aproximadamente 170 m²;
  • Estimativa de cerca 200 casas, considerando tamanho do lote e porcentagens necessárias para viário e outros usos;
  • Estimativa de 636 habitantes, considerando a média de 3,18 habitantes por domicílio no município (IBGE - Sinopse do Censo 2010).

Parte I - O terreno

No dia 10 de outubro de 1992, foi inaugurado o Distrito Industrial “Oswaldo Liberato Pieroni”, na Estrada Municipal João Bordignon, cerca de 200 m antes de chegar à Igreja do Morro Alto. Possui cerca de 61.700 m² (veja mapas no Google Maps e OpenStreetMap).

Foto Aérea do local (fonte: Google Maps, legendado)
Chegou a ter ruas e lotes definidos em projeto, mas não foi implantado. Ficou ocioso aguardando infraestrutura, enquanto as novas indústrias foram se instalando em locais melhores servidos e mais acessíveis: ao longo da Rodovia Marechal Rondon, especialmente na “Reta da Maristela”, e no Bairro da Ponte.

Mapa das ruas, sem escala (fonte: Plano Diretor, mapa 26-01)

O terreno ficou isolado até cerca de 2010, quando começaram a aparecer no seu entorno vários loteamentos irregulares de chácaras. Em 2014, a estrada foi pavimentada.

A partir de 2014, passou a ser o “Pátio de Apoio” para guardar veículos e material da prefeitura. Em 2017, um ônibus estacionado lá foi incendiado.

Em 2018, o prefeito dr. Alcides apresenta a proposta na Rádio Dynâmica FM, reconhecendo que a sua localização era questionável e usou como justifica de que é bom que a cidade se espalhe — algo que urbanistas discordam.

O terreno que até então não tinha servido para receber indústrias agora poderá servir para ser morada para cerca de 600 "pessoas de baixa renda", que é, antes de tudo, gente de carne e osso, que têm necessidades como precisar de trabalhar, estudar, ir às compras e ter vida social, que é o que dá razão para a cidade existir e se manter coesa.

Hoje o terreno, afastado da cidade, está em meio a pastagens, chácaras e sítios, e próximo a nascentes e pequenas matas. Ao longo da estrada que serve o terreno há uma venda, uma cerâmica e uma piscicultura.

Mapa da região (fonte: OpenStreetMap, legendado)

Parte II - Problemas

Questões legais

Quanto à legislação, temos os seguintes problemas:
  1. Plano Diretor e Plano de Mobilidade: por não seguir diretrizes quanto a deslocamentos e acesso a serviços.
  2. Lei do Perímetro Urbano: por estar fora do perímetro urbano.
  3. Lei do Zoneamento: por destinar uso residencial num local definido como de uso comercial, industrial e rural.
O Plano Diretor (Lei Municipal nº 2.543/2006) é o instrumento básico para orientar o planejamento e o desenvolvimento do município e da expansão urbana. As demais leis urbanísticas e orçamentárias devem segui-lo. Foi elaborado de 2004 a 2006 por uma equipe técnica, da qual fiz parte, com participação da população (ver material disponível).

O Plano Diretor diz:
Art. 3º. São diretrizes gerais do Plano Diretor:
II - Planejar a ampliação e conservação do sistema viário, buscando sempre a adequação ao relevo e a redução dos tempos de deslocamentos entre locais de trabalho e habitação (áreas industriais e bairros residenciais) e entre os bairros e o núcleo central da cidade;

O conjunto habitacional se inaugurado estaria separado da cidade por um vazio urbano de 1,2 km, e seria o bairro mais distante do Largo São João, no Centro:
  • Residencial Vale do Sol: 2,1 km;
  • Jardim São Luiz: 2,5 km;
  • Conjunto Habitacional Pedro Zanella: 3,0 km;
  • Conjunto Habitacional Morro Alto: 4,1 km (ver mapa).
Para comparar, o vazio urbano que separa o Pedro Zanella do resto da cidade é de 200 m em linha reta por pasto, e a via que dá acesso é de 700 m em área desabitada (ver mapa). E ainda não está próximo dos que podemos chamar de pólos de trabalho:
  • Reta da Maristela: 3,2 km de carro; 6,0 km de ônibus circular (ver mapa);
  • Bairro da Ponte: cerca de 6,8 km de carro ou ônibus circular (ver mapa).
Certamente, produzir deslocamentos desnecessários vai contra a ideia de "conservação do sistema viário" e "redução dos tempo de deslocamentos".
O Plano de Mobilidade (Lei Municipal nº 3.106/15), que complementa o Plano Diretor, diz no seu artigo 3º que a Política de Mobilidade Urbana tem por objetivo melhorar a circulação e o transporte e, dentre outras coisas, promover:

IV - Facilidade de acesso a creches, escolas, postos de saúde e demais serviços públicos;

A prefeitura terá que levar os serviços públicos até lá, ou terá que tornar os deslocamentos acessíveis via subsídios de passagens e custeio de expansão de infraestrutura. Mais ainda, estaria deliberadamente contribuindo com a dispersão da cidade, que gera bairros de baixa densidade populacional e vazios urbanos. Isso resultaria em linhas de ônibus fazendo trajetos longos captando poucos usuários por quilômetro e dificultaria a criação novos horários de ônibus, indo contra os seguintes itens do art. 3º:

VI - Redução dos gastos financeiros e de tempo nos deslocamentos de pessoas, bens e serviços, causados pelas carências viárias, pela inadequação do serviço ou pelos congestionamentos;

VIII - Estímulos ao uso do transporte coletivo público, aumentar a regularidade e a confiabilidade do sistema, bem como o conforto de seus usuários;

Quanto à localização e uso do solo, a Lei Federal nº 6.766/79 diz no artigo 3º "Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal."

O Plano Diretor, nos artigos 28 e 29, delega a definição da área urbana e do uso do solo à Lei do Perímetro Urbano e à Lei de Zoneamento, respectivamente.

A Lei do Perímetro Urbano da cidade mais recente é a Lei Municipal nº 2.962/2012. O terreno se localiza fora deste perímetro urbano (ver na figura a seguir).

Por sua vez, a Lei do Zoneamento (Lei Complementar nº 171/2016, artigo 27) estabelece uma faixa de 200 m para cada lado da Estrada Municipal João Bordignon como Zona Mista, que é destinada a comércios e indústrias de médio porte e não permite a implantação de uso residencial.

O terreno fica a maior parte dentro da faixa de 200 m da Zona Mista, enquanto o resto fica em área rural, também não permitindo o uso residencial urbano.

Localização do terreno quanto ao perímetro urbano e ao zoneamento (fonte imagem: Google Maps)

(Link: Mapa completo do Zoneamento)

Se a prefeitura quiser implantar o conjunto habitacional, ela terá que alterar as leis e observar o seguinte:
  • O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001, art 42-B) exige que municípios que pretendem ampliar o seu perímetro urbano devem elaborar um Projeto Específico de Expansão Urbana e atender às diretrizes do plano diretor.
  • O Plano Diretor no art. 29 diz "A descrição e a delimitação do perímetro urbano deverá estar em conformidade com a Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano, não podendo ser alterada separadamente, salvo se autorizado pelo Conselho Municipal do Plano Diretor."

Questões urbanísticas

Agora quero explicar porque é ruim colocar o conjunto de casas populares naquele local isolado e levantar questões que afetam a qualidade de vida dos possíveis residentes, dos ocupantes atuais do entorno e custo de investimento e manutenção do empreendimento.

  • Uso do solo atual e vocação do local
A primeira questão que teria que ser levantada seria, qual é o perfil de uso do solo do entorno e se não haveria conflitos com a implantação de um conjunto habitacional de perfil popular e urbano.

No local predominam os usos rurais e periurbanos (combinação de características urbanas e rurais de vizinhança de cidade):

Como rurais, em maior grau: pastagens, áreas de cultivo, terreiros de fazenda (locais sem cultivo onde se localizam sedes de fazendas, sítios, galpões etc) e há a presença de várias granjas de aves (a partir de menos de 250 m do terreno, cerca de 10 a cerca 500 m) e piscicultura.

Como periurbanos: industrial (cerâmica), chácaras e casa de hospedagem e lazer rural (pesqueiros).

Mapa de uso do solo predominante (fonte: OpenStreetMap, foto aérea Maxar e levantamento próprio)


Com a pavimentação da Estrada Municipal João Bordignon e devido à proximidade com a cidade e por fazer ponte entre a cidade e o arraial do Morro Alto, o local tende a manter a intensificação de chácaras de recreio, lazer de caráter rural e a implantação de pequenas firmas ao longo da estrada. Vocação essa que foi parcialmente capitada pela Lei de Zoneamento de 2016, através da instituição da Zona Mista ao longo da estrada.

Recomendo que se mantenha o já estabelecido pela Lei de Zoneamento e se inclua na mesma lei os demais usos já presentes e compatíveis com a vocação do local e que se faça a regularização dos loteamentos de chácaras presentes na mesma direção.

A implantação do conjunto habitacional irá conflitar com os usos atuais e vai na direção oposta do potencial do local.

  • Custos imediatos e futuros para o Poder Público e coletividade 
A prefeitura justifica que o terreno por estar disponível baratearia o valor das casas. Só que se está esquecendo que o conjunto habitacional não se basta sozinho. Os custos não se limitarão ao da obra dentro do limite do empreendimento ou até a data da inauguração, mas que devido à localidade e distância da cidade também haverá:
  1. Custos de investimento para levar infraestruturas da cidade até o local para viabilizar o empreendimento até a sua inauguração;
  2. Custos de manutenção para manter os serviços necessários à população após a inauguração do empreendimento.
  • Custos de investimento
    • Água potável:
Terá que levar uma rede de água até o conjunto. Isso demandará 1,7 km de rede pela estrada (supondo que a rede que chega no Residencial Vale do Sol tenha capacidade sobrando para atender também o conjunto); provavelmente um reservatório e uma bomba de recalque para levar a água da altitude 467 m (ponte sobre o Rio Laranjal) até a altitude 548 m (ponto mais alto do terreno, a mesma do da Escola João Salto) ou até a altitude 577 m (no Morro Alto, a mesma altitude da Estação de Tratamento da Água no Jardim Panorama).

Consumo de água: 150 L per capita, portanto 95.400 L/dia, fora demanda futura.

Custo estimado da interligação, exceto vias internas: R$ 306.000,00 (cerca de R$180,00/m).


Mapa da topografia (fonte fundo: IGC/DataGEO)
    • Esgoto:
O esgoto não poderá ser lançado nos córregos do entorno. Terá que ser implantado 1,2 km de rede coletora do bairro até o tronco coletor que está às margens do Rio Laranjal, para ser então encaminhado até a estação de tratamento de esgotos no Bueninho.

Produção de esgoto: 80 L/dia per capita, portanto 50.880 L/dia, fora demanda futura.


Custo estimado da interligação, exceto vias internas: R$ 120.000,00 (cerca de R$100,00/m).
    • Drenagem:
Numa chuva pesada por 20 minutos, o conjunto de 61.700 m² gerará cerca de 864 m³ de águas pluviais. Essa água que é contaminada por poluição difusa será lançada no córrego da Piscicultura Morro Alto? Se for para evitar isso, terá que ser implantado um coletor águas pluviais na parte baixa do conjunto, atravessar a estrada e lançar as águas (com amortecimento e dispersão de velocidade) no córrego do lado oposto da estrada.

Custo estimado do encaminhamento, evitando o córrego da Piscicultura: 560 m x 115,00/m = R$64.400,00.
    • Iluminação pública e outros:
A estrada toda desde do Residencial Vale do Sol até o conjunto são 1,2 km sem iluminação pública. Serão cerca de 40 postes com iluminação em área desabitada para a população não ficar ilhada da cidade após o pôr-do-sol.

Há também telefonia e eletricidade: as concessionárias implantarão as extensões e reforço de rede?

  • Custos de manutenção
    • Coleta de lixo e limpeza pública:
São cerca de 636 kg de lixo por dia (1 kg/pessoa). O caminhão de lixo terá que ir e voltar por uma via desabitada cerca de 3x por semana, isso influencia o custo por tonelada transportada por quilômetro: quanto mais o caminhão trafega por menos quantidade de lixo, o custo tonelada-quilômetro do contrato da prefeitura com a empresa será maior.

Também a prefeitura terá que deslocar a limpeza e varrição de vias públicas e áreas verdes até o bairro. Além de ter o trabalho de fiscalizar o descarte irregular de lixo num bairro populoso e distante.
    • Transporte coletivo:
Pela Estrada Municipal João Bordignon passa a linha de ônibus Laranjal – Laras (tarifa R$ 4,00), enquanto a linha circular da cidade (tarifa R$ 3,00) passa a 2 km no Jardim das Palmeiras. Terá que estender ou criar uma linha circular até o conjunto, fazendo o ônibus trafegar, ida e volta, por trechos com baixo número de passageiros por quilômetro. Isso pressionará o valor da passagem no futuro, fora o aumento do custo do subsídio das gratuidades.

Já há uma dificuldade de se organizar um sistema de transporte público eficiente e sustentável com pontos bem distribuídos e horários regulares justamente pela forma como a cidade se espalhou sobre uma topografia ruim, com vários espaços vazios entre os bairros e pela falta de planejamento urbano. 

A cidade que tem só 25 mil habitantes já sofre com linhas de ônibus que dão muitas voltas, e  tampouco é interessante para a empresa de ônibus.
    • Transporte escolar:
É dever da Prefeitura garantir o transporte de estudantes da sua rede quando o estabelecimento de ensino não é próximo da moradia (ver Constituição Federal, artigo 208, inciso VII; e Lei Federal nº 9.394/96 "Lei de diretrizes e bases da educação", art 11, inciso VI).

As escolas e creches mais próximas são:
  • Escola Municipal Professora Mônica Benetton de Lara: 2,2 km;
  • Creche Municipal Alice Bernardo Corrêa: 2,4 km;
  • Escola Municipal Domingos Fuglini: 2,5 km;
  • Escola Estadual Cesário Carlos de Almeida: 3,9 km.
De acordo com o Censo do IBGE 2010, a população de Laranjal Paulista em idade pré-escolar e escolar de ensino básico (de 5 a 14 anos) era 14,9%, portanto temos estimativa de demanda potencial de 95 estudantes (= 636 hab x 14,9%).

Considerando que o valor da linha circular (R$ 3,00) e um custeio estimado de 50%, temos: 95 estudantes x R$ 1,50 x 2 (ida e volta) x 200 dias letivos = R$ 57.000,00/ano.

Acrescentando, o Estatuto da Criança e do Adolescente (art 53, inciso V) diz que deverá ser garantido o "acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência" (grifo meu).

Visto a distância e o risco de levar estudantes por uma estrada vicinal em área de vazio urbano e o fato de o conjunto habitacional ser destinado para "população de baixa renda" (ver item 4 da justificativa do projeto de lei), teremos uma demanda por transporte que a prefeitura terá que custear, a não ser que se construa os estabelecimentos de ensino necessários (que também tem custo). Mas até lá, a prefeitura teria que arcar com o transporte.

    • Saúde, Segurança e outros serviços:
Bairros distantes são mais difíceis de policiar e levar serviços de emergência. Já há demanda para levar policiamento nos distritos e bairros afastados.

No caso de haver cotas para moradias de policiais, estes estariam mais expostos e vulneráveis ao crime organizado.

A Avenida Francisco Pillon, que liga o Morro Alto e São Roque ao Centro, já dá sinais de saturação. A implantação do conjunto irá adicionar um acréscimo de 150 a 200 automóveis na mesma avenida.


Conjunto habitacional longe não é solução nem novidade

Reiterando o texto anterior (recomendo a leitura), uma cidade espalhada não atrai investidores ou torna a vida dos habitantes melhor. Pelo contrário, o inchaço da cidade acaba aumentando os custos para mantê-la, que significa maior pressão por aumento dos impostos e custos serviços urbanos, e drena os recursos que ao invés de ir para aquilo que melhoria o espaço urbano vão para o custeio de estruturas e serviços subutilizados ou insustentáveis.

O que torna a vida dos habitantes melhor e atrai investidores é a disponibilidade de boas infraestruturas, acesso a serviços urbanos, um poder público organizado e planejador que não seja apenas um zelador, mas que adote uma postura de Estado. Não há governo que não administre um território.

Por fim, o projeto como está só estaria repetindo uma prática muito criticada por urbanistas e que tem se repetido por mais de meio século que é de colocar pessoas que precisam de moradia em conjuntos habitacionais longe dos centros urbanos, longe do trabalho e das demais necessidades. Isso foi reproduzido no igualmente criticado Programa "Minha Casa, Minha Vida" (veja o artigo Minha Casa, Minha Vida piorou cidades e alimentou especulação imobiliária).

Se for o caso, a aprovação do projeto deveria ser condicionada com a previsão de custeio dos gastos de investimento e manutenção, das medidas mitigadoras e do planejamento da expansão das infraestruturas e serviços.

P.S.: A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Federal nº 101/2000, artigo 16) e a Lei Orgânica Municipal (artigo 41) estabelecem que qualquer ação governamental que provoque aumento de despesa deverá ser acompanha da indicação recursos.

Parte III - Alternativas

Então, como alternativas o que poderia ser feito?

Naquela mesma conversa do início do texto, eu tinha sugerido ao prefeito o seguinte:
  • Fazer permuta de terras: o terreno poderia ser trocado por um outro mais próximos e em vazios urbanos que deveriam ser priorizados. Até poderia incluir terrenos que a prefeitura possivelmente tem na cidade. Isso reduziria os custos de implantação de infraestruturas e expansão de serviços, porém haveria a desvantagem de se obter um terreno menor.
  • Aplicar os instrumentos do Plano Diretor: como forma criar um banco de terras e de obter terrenos para habitação em vazios urbanos com infraestrutura e como forma de desestimular terrenos subutilizados ou abandonados. Mas isso levaria tempo.
Foto aérea da cidade com os vazios urbanos (esquema feito em 2018)

Também o terreno poderia ser desmembrado em lotes e estes leiloados para obter recursos para outras obras necessárias (isso não foi sugerido naquele momento).

Mas gostaria dar um passo a mais e não desistir da ideia de prover habitação. Vamos recorrer ao Plano Diretor, na seção das Diretrizes da Habitação, vemos o seguinte:

Art. 12. São diretrizes específicas da Habitação:
(...)
V - Dar prioridade na elaboração de projeto de reurbanização da Vila Zalla e de outros bairros de caráter popular que apresentem paisagem deteriorada, prevendo sempre a participação dos moradores desde a elaboração do projeto, através de um trabalho social com grupos formais ou informais representativos dos interesses e das necessidades da comunidade em foco;

Então vamos cumprir a lei e encarar de frente uma dívida social.

Programa de melhoria e habitação popular na Vila Zalla

Há um tempo que estou querendo refazer uma proposta minha de reurbanização da Vila Zalla que consistia de implantação de moradias, área de comércios e áreas verdes e readequação das vias e do canal do ribeirão. (A proposta original é de 2005-2009 e ficou defasada.)

Como uma pessoa que já morou lá perto da vila, eu faria o seguinte:
  1. O terreno de 61.700 m² seria leiloado ou permutado com áreas dentro e no entorno imediato do Jardim Pedro Zalla e Bairro Pedro Pinto.
  2. Seria elaborado com participação de representantes da região um projeto de melhoria do bairro.
  3. Com os recursos obtidos e acrescidos de outros aportes (repasses de verba etc), seriam construídos as habitações de interesses social, locais de comércio e outras benfeitorias.
  4. Seria criada por lei específica a Zona Especial de Interesse Social da Vila Zalla, tendo como  diretrizes o descrito a seguir e para adaptar as leis urbanísticas para viabilizar as obras no local.

O bairro e os espaços disponíveis

A região da Vila Zalla possui várias áreas vazias onde se poderia construir blocos residenciais e pequenos conjuntos habitacionais (veja neste voo em vídeo).

Proposta de ocupação em áreas disponíveis da Vila Zalla e outras melhorias (imagem: Google Maps)
Vantagens:
  • Aproveitamento dos espaços subutilizados dentro de área urbana;
  • Infraestrutura já instalada (pavimentação, água, esgoto etc) podendo melhorá-las;
  • Existência de serviços públicos (escola, creche, UBS, lazer, requerendo ampliações menores;
  • Proximidade com o Centro, não necessitando de deslocamentos;
  • Presença de comércios e serviços;
  • Economia de custeio público a médio e longo prazo, visto o aproveitamento dos equipamentos existentes;
  • Recuperação e integração com a cidade de uma área muito próxima do Centro com potenciais de desenvolvimento.
O bairro já dispõe de um núcleo institucional com posto de saúde, centro esportivo, creche e escolas, requerendo ampliação e uso de espaços ociosos se houver (exemplo: antigo posto de saúde).

Também possui comércios: mercadinhos, mercearias, lanchonetes, salões de estética e bares. A permanência de atuais e vinda de novos moradores só iria fortalecê-los.

O sistema viário já possui pavimentação, água, esgoto e drenagem, precisando um reforço e recuperação. O tronco coletor de esgoto passa pelo meio do bairro.

Moradores em habitações precárias da região podem ser realocados sem sair do bairro e perder laços sociais ou ficar mais longe do trabalho.


Propostas para habitação:
  • Blocos de apartamentos de 4 a 6 andares nos vazios de quadra. Os apartamentos do térreo seriam dedicados para pessoas com mobilidade reduzida e idosos.
  • Sobrados com comércio no térreo e casa em cima. (exemplos: Casa Cubo, Complexo do Alemão).
  • Conjuntos habitacionais de casas térreas e vias públicas, como de costume, nas áreas maiores.

Exemplo ilustrativo de aproveitamento de vazio de quadra.

Propostas de melhorias para o bairro:
Sugere-se a realização de alguns destes:
  • Implantação de passagem ou passarela de pedestres sobre a ferrovia próximo ao escadão;
  • Implantação de passarela sobre a Rodovia Marechal Rondon ligando a Rua Euclides da Silva com a Escola Iara Selma Bado e Avenida São paulo. Isso é parte integrante do estudo de viabilidade da concessão da rodovia (ver estudo de viabilidade e demais dados da rodovia).
  • Urbanização do canal do Rio Laranjal.
  • Readequação viária: alargamentos de ruas e calçadas, e continuação da Rua Dona Stela.
  • Implantação de praça e sistema de lazer.
  • Implantação de linha de ônibus.
Proposta de urbanização do canal do Rio Laranjal - parte integrante da Melhoria no Trevo do Bidico

Encerramento

Fica aqui registrado o meu posicionamento como profissional da arquitetura e urbanismo, como técnico que participou da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista e como cidadão que morou na cidade e tem laços familiares na região.

Defendi aqui a minha profissão e o meu primeiro trabalho como urbanista.

Peço desculpas pelo texto longo, mas vi que era necessário. Fico à disposição para questões e sugestões nas redes sociais e pelos meios de contato.

Concluo o meu parecer. Abraços.


Igor Eliezer
Arquiteto Urbanista
Participou da elaboração do Plano Diretor de Laranjal Paulista em 2005


Artigos relacionados:
Material complementar: